quarta-feira, 2 de dezembro de 2020

Talento Refinado


Minha mãe e eu temos a tradição de assistir ao The Voice todas as terças e quintas. Também assistimos à novela das 21, então, nesses dois dias, o The Voice acaba sendo um prolongamento da sessão noturna entre mãe e filho. Embora seja uma tradição, nossa relação com o programa é diferente. Enquanto minha mãe é uma fã devota que assistiu a todas as temporadas fielmente, apesar de não se lembrar dos candidatos que venceram, nem mesmo do vencedor da temporada que terminou há algumas semanas; eu gosto apenas da fase das audições às cegas, que eu costumo chamar de “etapa das cadeiras”.


O programa exibido na última terça-feira era mais uma episódio de alguma fase de que eu não gosto, mas eu assistiria para honrar a tradição do momento mãe e filho pós-novela. Tudo transcorria bem, ou seja, nenhuma apresentação excepcionalmente boa, até que uma competidora cantou “Ain’t no other man”, da Christina Aguilera. Imediatamente eu comentei: algumas músicas não deveriam ser escolhidas por candidatos de programas de competição musical. Minha insatisfação com a performance da competidora não foi pouca e, de acordo com meu refinado conhecimento do mundo fonográfico, havia sido uma completa vergonha, embora ela tenha sido escolhida pela respectiva técnica para avançar para a próxima etapa da competição. Em seguida, depois de mais algumas performances que não são dignas de nota, veio a derradeira apresentação de “Disk me”, da Pabllo Vittar. Mais uma vez, segundo meu apurado e profundo domínio de técnicas vocais, foi um fiasco sem tamanho e dessa vez, inclusive, minha mãe concordou. No entanto, a participante também foi a escolhida para seguir na competição. Por fim, eu e minha mãe desistimos de assistir. Desliguei a TV com certa indignação e minha mãe foi para seu banho.”Um absurdo!”, ela disse antes de entrar no banheiro. 

Depois disso o que me restava? Passar o restante da noite ouvindo as versões originais das músicas que, conforme meu brilhante talento como produtor musical, haviam sido ultrajadas. Embalado pelas músicas, que agora estavam sendo cantadas e tocadas como deveriam ser, uma reflexão me ocorreu: será que os técnicos do programa foram absurdamente injustos ou eu e minha mãe não temos conhecimento, domínio ou talento algum para a música?